Reportagens

O NOVO PERFIL DO PROFESSOR

Diferentes demandas se apresentam hoje como essenciais para quem está à frente de uma sala de aula

Anderson Moço (novaescola@fvc.org.br) e Ana Rita Martins

Em 2008, a consultoria norteamericana McKinsey elaborou um estudo compilando o que os países com melhor desempenho em Educação fazem para atingir a excelência. Selecionar os melhores professores está entre as conclusões do trabalho, medida que começa a ser levada a sério pelo Brasil. Para estabelecer parâmetros de qualidade na hora de escolher quem vai lecionar para nossas crianças, o Governo Federal está criando o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente, que deve, em 2011, servir de referência para a contratação na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental em todo o país.

O projeto inclui uma lista com 20 características que todo profissional de Educação deve ter. NOVA ESCOLA reagrupou essas habilidades na reportagem Seis características do professor do século 21, ilustrada com depoimentos de profissionais que já as desenvolveram. Vindos de diferentes pontos do país, eles explicam como o aprimoramento é importante em sua prática. "Para promover a aprendizagem dos alunos, é fundamental desenvolver-se continuamente: olhar para a própria trajetória profissional, perceber falhas, saber o que ainda falta aprender e assumir o desafio de ser melhor a cada dia", resume Angela Maria Martins, doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC). 

De fato, não é mais possível dar aulas apenas com o que foi aprendido na graduação. Ou achar que a tecnologia é coisa para especialistas. Trabalhar sozinho, sem trocar experiências com os colegas, e ignorar as didáticas de cada área são outras práticas condenadas pelos especialistas quando se pensa no professor do século 21. Planejar e avaliar constantemente, acreditando que o aluno pode aprender, por outro lado, é essencial na rotina dos bons profissionais. 

Essa nova configuração no perfil profissional está embasada em medidas governamentais e em pesquisas sobre a prática docente e o desenvolvimento infantil."Antes, achávamos que a principal função do professor era passar o conhecimento aos alunos. Jean PiagetLev Vygotskye outros estudiosos mostraram que o que realmente importa é ser um mediador na construção do conhecimento e isso requer uma postura ativa de reflexão, autoavaliação e estudo constantes", diz Rubens Barbosa, da Universidade de São Paulo (USP). 

Tudo isso, é claro, porque os alunos também não são os mesmos de décadas atrás - longe disso. Com a democratização do acesso à internet, no fim dos anos 1990, passamos a ter nas escolas crianças que interagem desde cedo com as chamadas tecnologias de informação e comunicação, o que exige um olhar diferente sobre o impacto disso na aprendizagem. Finalmente, não podemos nos esquecer de que esses estudantes conectados têm uma relação diferente com o tempo e com o mundo, o que coloca desafios para a docência. A boa notícia é que há muita gente encarando esse novo mundo nas escolas.

FONTE REVISTA ESCOLA

LINK https://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/novo-perfil-professor-carreira-formacao-602328.shtml

 

Realidade complexa

 

As classes com alunos de diversas idades em localidades isoladas representam um dos maiores desafios pedagógicos da educação brasileira

 

As escolas multisseriadas, em que um mesmo docente atende estudantes de diferentes idades em uma mesma turma, são marca registrada da educação rural brasileira. Em 2009, o Censo Escolar apontou a existência de mais de 96,6 mil turmas multisseriadas no ensino fundamental. Segundo dados do Observatório da Educação, a distorção idade-série chega a 38,9% ainda nas séries iniciais das escolas rurais. 

Esse número sinaliza o baixo aprendizado nas escolas rurais com essa característica, responsáveis principalmente pela oferta do 1º ao 5º do ensino fundamental. A existência das classes multisseriadas se dá por diversos fatores. Entre eles, a baixa densidade populacional na zona rural - escolas pequenas, com poucos alunos matriculados -, a carência de professores e de infraestrutura. Além disso, há poucos docentes das séries iniciais do ensino fundamental com nível superior. São apenas 35% na zona rural, contra 67,4% na zona urbana. Nas séries finais, são 44,6% e 88,3%, respectivamente.
Um levantamento do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Rural na Amazônia (Geperuaz), realizado com base no Censo Escolar 2006, mostrou que 75% das escolas de Educação Básica do Pará estão localizadas no campo, sendo a maioria das classes multisseriadas. Nessas escolas, a taxa de distorção idade-série é de 81,2%. O atraso escolar ainda nos primeiros anos de escolarização é grande: a distorção entre as crianças matriculadas na 4ª série é de 90,51%; na 1ª série, a taxa de reprovação atinge 36,27%.

Armênio Schimdt, da Secad, diz que não é possível prescindir das escolas multisseriadas, pois é necessário entender a densidade populacional do campo. "O que faltava era uma proposta pedagógica para atender diferentes alunos em uma mesma sala de aula. Hoje, o programa Escola Ativa é justamente para qualificar os professores, que têm anualmente 240 horas de formação."

Sobre os programas desenvolvidos pelo MEC e também pelos governos locais, Salomão Hage, professor da Universidade Federal do Pará e coordenador do Geperuaz, reconhece que houve muitos avanços com o Pronera, Escola Ativa e ProJovem Campo - Saberes da Terra.  "Hoje há processos de formação, tanto inicial quanto continuada. O problema é que são muitos professores para serem formados ao mesmo tempo. Além disso, não dá para tratar da mesma forma as populações quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, indígenas, nem mesmo formá-los da mesma maneira, ainda que haja aspectos comuns a eles", pondera Salomão.

Ausência de avaliação 
A baixa qualidade da educação na zona rural costuma ser analisada principalmente pelos indicadores de fluxo escolar, com as taxas de reprovação e distorção idade-série. A participação das escolas rurais em avaliações de grande escala é pequena no Brasil. As turmas multisseriadas, por exemplo, não são avaliadas pela Prova Brasil e/ou pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Marcelino Rezende, da USP de Ribeirão Preto, aponta dois motivos que inviabilizam a avaliação das escolas rurais: o custo de chegar a todas elas e a possibilidade de os indicadores nacionais caírem ainda mais, dada a realidade educacional no campo. Segundo ele, é comum municípios terem um bom Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) com base no desempenho das escolas urbanas, enquanto as rurais, que muitas vezes são maioria na rede, ficam à margem do sistema. Para o pesquisador, não é possível avaliar sem que primeiro se ofereça uma escola com boa infraestrutura e professores qualificados.

De acordo com o diretor da Secad, Armênio Schmidt, a Prova Brasil e o Saeb chegam às escolas rurais que possuem no mínimo 40 alunos. Em contrapartida, mais da metade das escolas rurais do país tem até 30 alunos matriculados. O desejo do MEC é ampliar a avaliação para as escolas menores, o que demandaria a elaboração de uma outra prova e logística diferenciada. Estudos nesse sentido já foram solicitados ao Inep, órgão formulador das avaliações. 

"É preciso avaliar também os conhecimentos específicos que são ensinados nas escolas rurais, que muitas vezes não são captados nessas provas. Temos de buscar uma prova que avalie com mais clareza aquilo que é trabalhado no campo", defende Schmidt.

Outro aspecto que interfere na qualidade da educação no campo é a faixa salarial dos docentes, aliada aos desmandos políticos. Segundo Josemar da Silva Martins, o Pinzoh, professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) que atua em um projeto junto a 43 escolas rurais, a falta de infraestrutura e os baixos salários são determinantes. 

"Há escolas muito isoladas, cujo suprimento básico do quadro de pessoal é uma única pessoa: a professora, que se encarrega da limpeza, da merenda, que leva água na cabeça porque se não tiver água não haverá comida", relata o pesquisador. Por outro lado, aponta ele, as formações hoje disponíveis são boas, mas têm de ser atreladas a um salário melhor, pois a rotatividade é muito grande. Nesse cenário, os professores que se qualificam buscam mudar para centros maiores, onde se paga melhor e as redes são 
mais estruturadas. 

Pinzoh aponta outro problema: o desconhecimento das editoras de livros didáticos do Brasil profundo. Por esse motivo, a saída é produzir 
conteúdos que dialoguem com as realidades locais. "É preciso melhorar o acesso aos conteúdos e aumentar a capacidade do professor de contextualizar os conhecimentos, com uma prática pedagógica que transite entre a escola e a comunidade." O desafio maior está em fazer esse movimento sem tratar o conhecimento de forma reducionista.  ( E.F. e Rubem Barros )
FONTE https://revistaeducacao.uol.com.br/textos/163/artigo234869-1.asp